quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Resenha do livro "Ave, Marajó!" do escritor muanense José Maria de Lima

O autor

A literatura regionalista é uma constante em todo o universo das letras no Brasil. São muitos os autores que resolvem usar seus escritos para divulgar as características do seu lugar, sua natureza, o povo, os costumes, o modo de falar, as mazelas sociais, as belezas naturais. Em seu romance “Ave, Marajó!”, o escritor José Maria de Lima se valeu desse estilo para revelar, com minuciosos detalhes, os aspectos mais significativos de sua terra natal, o Marajó.

José Maria de Lima nasceu no município de Muaná, localizado no maior arquipélago flúvio-marítimo do mundo, em 1933. Com graduação em pedagogia, o escritor sempre se interessou por registrar no papel as características de sua terra, repleta de contradições. Com tramas que retratam o cotidiano e os conflitos do povo marajoara, é transmitido um pouco de sua essência. Recebeu o premio Samuel Wallace Mac-Dowell da Academia Paraense de Letras, além de ter recebido menção honrosa no Premio Dalcidio Jurandir 2012 na categoria romance.
A capa do livro


Antes de iniciar a história, o autor faz uma descrição em prosa, mas com características poéticas, em que ele apresenta aspectos naturais do Marajó, tratando a ilha quase como se trata uma pessoa, dotada de sentimentos e atitudes. Com esse capítulo deslocado da história, o autor visa introduzir no cenário em que se passarão os acontecimentos e criar um laço de familiaridade com as características naturais do local, dessa forma, o autor, desde já, imprime uma das principais marcas de sua obra, a divulgação do Marajó.

A protagonista da história é Regina Glória, uma jovem professora que é apresentada no primeiro capítulo. Regina pertence a uma rica família, seus pais são José e Julieta Silveira Borborema; os três são frequentadores assíduos da alta sociedade de Belém do Pará, onde moram.

A vida cheia de luxos e requintes da jovem muda quando ela conhece Jorge Ramires, um rapaz que tinha sido enviado para estudar na capital e que era natural da Ilha do Marajó, sobre a qual Regina Glória, até então, só ouvira falar. Os dois se apaixonam instantaneamente e iniciam um namoro que, mesmo sob os olhares preconceituosos da sociedade e desconfiados da família da jovem, acaba culminando com o casamento dos dois. Foi tão intenso e tão rápido que, pouco tempo depois de se conhecerem, o casal tinha a impressão de terem vivido juntos a vida inteira.

Na relação entre Ramires e a família de sua amada, o autor aborda o tema do preconceito social praticado pelas classes dominantes. Ramires não é pobre, sua família possui muitas terras no Marajó, porém o rapaz teve uma criação interiorana, seus traços rústicos e despojados lhe são muito fortes, e isso incomoda muito os pais de Regina, os quais queriam um marido fino e elegante para a filha.

Regina vai morar com o amado no lugar onde ele se criou, o estranhamento inicial foi muito grande, a jovem era uma pessoa extremamente acostumada com vida urbana, mas a paixão do casal foi mais forte e eles passaram a enfrentar juntos todas as dificuldades e, aos poucos, a moça da cidade grande vai se adaptando com a vida na fazenda. Regina passa a ajudar na administração da propriedade. Usando de seus conhecimentos, ela opina sobre a criação do gado, a forma de lidar com os empregados, até mesmo a alimentação dos criados é observada pela professora.

A vida do povo simples do Marajó é retratada fielmente pelo autor, que revela toda a exploração e ignorância em que vivem os habitantes daquela terra. O livro ganha um caráter histórico-social quando reflete sobre as possíveis causas e soluções para a situação do povo pobre do Marajó.

A vida do casal percorria um caminho de normalidade, com os dois cuidando dos negócios da fazenda, até que uma ideia surge na cabeça da esposa. Já há um bom tempo no Marajó, Regina não conhecia bem a história do lugar, os conflitos, as pessoas ilustres, os acontecimentos importantes. Visando desenvolver um aprofundado trabalho de pesquisa sobre o local e usando de toda a metodologia aprendida nos estudos acadêmicos, a curiosa exploradora sai em busca de tudo o que puder lhe trazer informações que interessam ao seu objetivo e, para isso, ela entrevista pessoas, consulta documentos, compara dados; todos os procedimentos que uma profissional da área precisa realizar para alcançar o objetivo de sua pesquisa.

Usando do projeto de Regina, o autor conta algumas histórias do Marajó, histórias essas que, se são verdadeiras ou inventadas, pouco importa, suas riquezas estão no conteúdo que varia do cômico ao ridículo, do dócil ao amedrontador. As narrativas que, em sua maioria, tem grandes proprietários de terra como protagonistas, ainda hoje povoam o imaginário do povo marajoara.

A história sofre uma grande reviravolta quando Regina tem de regressar à Belém para acompanhar a mãe em uma cirurgia e cuidar dela enquanto estiver convalescente. Tendo de se reacostumar com o ritmo da cidade grande, Regina tenta reviver seu tempo de solteira. Entre um evento e outro, ela acaba se envolvendo com um famoso médico, o mesmo que fez a cirurgia em sua mãe. Mesmo atormentada pelo sentimento de culpa, a jovem mergulha fundo no caso com o doutor.

Esse acontecimento da trama explicita bem a hipocrisia da classe dominante na sociedade belenense, a mulher casada, que é respeitada por pertencer a uma tradicional família, acaba envolvendo-se com um homem que também é casado e que também é admirado pela sociedade, ambos são frequentadores da alta sociedade. Os pais de Regina, apesar de aparentarem um sólido casamento, também praticam o adultério mutuamente, o que revela a vida de fachada e aparências que levam.

Para surpresa da protagonista, ao voltar para o Marajó, ela descobre que o marido, assim como ela, tinha se envolvido em um caso extraconjugal, e que estava gastando fortunas para manter a amante. Sentindo-se moralmente impedida de julgar o marido, Regina adota uma postura de compreensão para com ele, visando salvar o casamento tão afetado pela infidelidade de ambos. Mas o estrago foi grande demais, Ramires estava perdidamente apaixonado pela amante e, mesmo depois de ela ter casado com um fazendeiro rival, o obstinado esposo de Regina não desistia de reconquistar a ex-concubina.

Toda essa paixão só podia acabar em tragédia, Ramires acabou sendo assassinado pelo marido da mulher que queria conquistar, a notícia de sua morte espalhou-se pela região e gerou uma grande comoção entre as pessoas, pois apesar das últimas atitudes descontroladas, Ramires tinha a admiração de boa parte da população.

A morte de Ramires revela outro aspecto sobre o Marajó que o autor queria ressaltar, a violência nos campos e suas causas que, na maioria das vezes, são brigas por terra. Na trama, o motivo foi uma mulher, que no início da narrativa apareceu como a inocente filha de um vendedor ambulante árabe, mas que acabou arrebatando o coração de muitos homens e, por isso, tornou-se motivo de discórdia.

Atormentada pela dor de ter perdido o marido e sentindo-se culpada, Regina sofre muito com o acontecido. Os empregados da casa percebem o estado da patroa e tentam fazer alguma coisa para fazê-la voltar ao normal, porém nada pode apagar os questionamentos da mulher; e se ela não tivesse traído o marido? E se tivesse sido uma companheira mais dedicada e atenciosa? Tudo isso perturba Regina e a faz pensar em uma forma desviar sua atenção para outra atividade.

A jovem fazendeira tem uma atitude ousada, entra na Associação dos Criadores de Gado do Marajó, uma entidade até então dominada por homens. Com sua aguçada habilidade de oratória e sua beleza encantadora, rapidamente Regina assume uma postura de liderança, o que facilita para que ela exponha seus ideais inovadores sobre a pecuária no local.

Foi nessa associação que Regina conheceu um fazendeiro conhecido como Duca Malato, foi através dele que ela teve notícia de uma pessoa que podia realizar o desejo que estava guardado do mais íntimo do seu coração. Desde que Ramires morreu, Regina procurava uma forma sobrenatural de entrar em contado com o marido, Duca Malato conhecia um famoso médium chamado Raimundo Nonato. Foi através do curioso “pajé” que a protagonista da história pode, finalmente, entrar em contato com seu falecido cônjuge, esclarecer suas dúvidas e desculpar-se pelos erros cometidos.

A história que, durante todo seu desenvolvimento, segue uma linha racionalista, no final, camba para o sobrenatural, revelando seres míticos e explicações fantásticas para os acontecimentos naturais. Isso também retrata o misticismo que ainda povoa a mente de boa parte do povo marajoara.

O romance de José Maria de Lima, por se enquadrar no regionalismo, ressalta as características do Marajó, mas também apresenta histórias que são comuns a várias realidades, além do mais, o autor imprime um humor torna a leitura agradável. Por esses motivos e por muitos outros, “Ave, Marajó!” se apresenta como uma ótima leitura.     

3 comentários:

  1. Já li o livro e realmente é muito bom, tem uma história envolvente e que fisga a atenção do leitor, passei uma hora direto lendo e nem percebi o tempo passar. Dá muito orgulho de saber que em Muaná tem tantas pessoas talentosas.

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  2. muito legal essa resenha do livro do professor jose maria,afinal um escritor de MUANA TEVE SUA OBRA LANÇADA NA LITERATURA PARAENSE,INFELIZMENTE NAO ESTAVA PRESENTE NO DIA DO LANÇAMENTO,MAS SUA HISTORIA FICOU PARA SEMPRE E DEVE SER LEMBRADO E RELEMBRADO.

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  3. Incrível isso
    Ver que as pessoas ainda apreciam as histórias do meu avô❤

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